Há muitos, muitos anos, que existem três animais que se diferenciaram e sobrepuseram a todos os outros, cada um à sua maneira e por motivos diferentes.
Um deles foi o Leão, temido pelos restantes animais, que tremiam ao ouvir o seu rugido e tinham pesadelos com as suas garras e seu instinto assassino. Por esse motivo, todos lhe prestavam vassalagem e se dobravam à sua passagem, apelidando-o de Rei, o que era para ele motivo de vaidade e, na sua forma de pensar, sinal de respeito e admiração.
Outro, o Dragão, tinha umas pequenas asas, que mal suportavam o seu peso, falava com dificuldade (trocava os B pelos V) e todos os outros temiam o seu hálito de cheiro terrível, motivado pela sua dieta de tripas, que com um simples sopro, queimava tudo em que tocasse. Só por isso, era respeitado e temido pelos outros e ninguém se atrevia a ser seu opositor.
O terceiro foi a Águia, animal extremamente inteligente, trabalhador, senhor dos céus, com potencialidades ilimitadas e por isso admirada e respeitada pelos restantes.
Cada dia que passava, o Leão tornava-se mais vaidoso e rugia aos sete ventos, para que todos lhe fizessem a devida vénia. O Dragão, ardiloso que era, concedia as honras ao rei, por forma a daí retirar dividendos, pois enquanto os outros animais se mantivessem controlados seria sempre um dos mais respeitados, o que lhe era suficiente, atendendo às limitações que sabia ter.
A Águia, segura de si e das suas potencialidades, recusava-se a tais comportamentos pois não conseguia conceber a ideia de se vergar perante um animal que considerava pouco inteligente, preguiçoso e com a mania das grandezas.
Certo dia, a Águia, cansada de ser incomodada pelos rugidos, que não a deixavam descansar, encontrou a solução para poder pousar, sem ser incomodada e descansar, sem ter que suportar o cheiro do Dragão e o barulho do Leão. Então, começou a construir tijolos, que foi sobrepondo, dia após dia, mês após mês, ano após ano, tendo utilizado a sua inteligência, trabalho e dedicação e edificado um pedestal de um tamanho sobremaneira alto que, nem ela própria com os seus olhos apurados, conseguia vislumbrar o que quer que fosse no reino do Leão.
O Leão e o Dragão, sentiram-se diminuídos com a imponente construção e iniciaram também eles, cada um por si, construções semelhantes que serviriam para, no caso do Leão mostrar a sua soberania e no caso do Dragão, ganhar o seu lugar ao sol, pois a Águia imperiosa, sentada no seu pedestal, quando abria as asas fazia sombra a todos os outros animais.
Todavia, a construção dos tijolos não era tarefa fácil, para um Leão preguiçoso e um Dragão que, com a sua forma enganadora de ser e de falar, nunca tinha tido necessidade de se dedicar a trabalhos pesados para conseguir os seus intentos.
Após algumas semanas, o Leão começou-se a dedicar aos seus filhotes, que, à medida que iam crescendo se tornavam fortes e ajudavam nas caçadas e fabrico de tijolos, contudo, sempre que aparecia uma oportunidade, os pequenos procuravam novas parcelas de terra, para também eles poderem reinar.
O Dragão, obstinado com a ideia de igualar o feito da Águia, continuava a trabalhar, mas, como era da sua natureza, procurava encontrar maneira de fazer o menor esforço possível. Assim, fez uma parceria com uma espécie de animais de nome Porcos, que, embora gostassem e comessem fruta, devoravam deliciados as bolachas que o Dragão assava com o seu bafo fedorento e trabalhavam em troca dessas e de outras iguarias com que este lhes pagava. Entretanto, todas as noites, a coberto da escuridão, o Dragão e os Porcos iam roubando tijolos da Águia e do Leão, que colocavam na edificação do Dragão, motivando o seu crescimento.
Cerca de um ano depois, estando a Águia a acabar de acordar, sentiu um cheiro que lhe era familiar, mas que não sentia há muito tempo. Surpreendida, olhou em direcção do solo e viu um ponto negro que se destacava. Era o Dragão.
A Águia, ficou espantada e achou muito estranho que a edificação do Dragão estivesse tão avançada. A partir desse dia, usando as suas espantosas capacidades auditivas, interceptou várias conversas entre o Dragão e os Porcos, ficando a par das suas congeminações no sentido de furtar ainda mais tijolos, em detrimento de os fabricar. Então, fez as contas e chegou à conclusão exacta de quantos tijolos já lhe tinham sido tirados.
Um dia, aproveitando o facto de o Dragão se deslocar a uma caverna existente numa montanha, de onde retirava o barro para os tijolos, a Águia foi buscar os seus tijolos, mas, em vez de os transportar para o local de onde o Dragão os furtou, levou-os para a entrada da caverna e bloqueou a saída, deixando no interior o animal mal cheiroso, que só via o pôr do sol através dos quadradinhos que a habilidosa e majestosa ave deixou entre os ladrilhos para entrar o ar.
Depois de conhecer os factos que levaram a Águia a prender o Dragão, tendo recuperado os seus próprios tijolos, satisfeito por ela ter tomado uma iniciativa que ele nunca teve coragem de tomar, o rei Leão ordenou que nenhum animal libertasse o Dragão e proibiu que se dissesse o seu nome.
Ainda hoje, de vez em quando, sai fumo do interior dessa montanha, que, por não puder mencionar o nome, os outros animais chamam de vulcão.